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Preços dos derivados de petróleo: privatização, importações e financeirização

Como sempre acontece quando os preços do petróleo sobem, os debates sobre a distribuição da renda petroleira começam a dominar o mundo político.


As políticas de preços assumem um papel de destaque, focando mais nos efeitos do que nas causas dos seus aumentos, que impactam profundamente a vida das pessoas, carreando grande parte do orçamento familiar para os combustíveis e aumentando, em cascata, os custos de produção, com os aumentos de fretes e seus impactos nas relações intersetoriais.


A grande questão é se os preços domésticos precisam seguir as flutuações dos preços internacionais e qual a velocidade desses ajustes.


Em outro artigo[1], lembra-se que o parque mundial de refino se estabeleceu, logo depois da II Guerra, principalmente, nos países consumidores de derivados de petróleo, ampliando-se o mercado internacional do petróleo cru. Nesse mercado, as grandes empresas internacionais (IOCs) enfrentaram o crescimento das estatais (NOCs), que passaram a controlar o acesso à maior parte das reservas mundiais do hidrocarboneto.


Entre outras consequências dessa disputa, ocorreu a expansão dos mercados financeiros de contratos futuros para entrega de petróleo e de derivados, que permitiu a associação dos capitais produtivos e financeiros na minimização dos riscos de flutuação dos preços e redefinição das parcelas da renda petroleira entre os produtores da matéria prima, geralmente situados em países com pequenos mercados consumidores, e os refinadores e distribuidores, em países principalmente importadores de petróleo, mas com parque de refino instalado.


Cada vez mais, os preços do petróleo e dos derivados dependem de variáveis financeiras, mais do que da escassez relativa dos próprios produtos. Uma ciranda financeira se estabeleceu.


Nesse sentido, cada país passou a adotar mecanismos de fixação de preços domésticos de derivados de petróleo que refletiam sua capacidade de acesso ao produto cru, sua disponibilidade de capacidade de refino, a logística de sua distribuição e suas políticas tributárias que diferenciavam os preços, mas que, mantendo uma certa relação de longo prazo com os preços do petróleo de referência, apresentavam diferenças nas suas trajetórias de curto prazo.


Assim, os preços dos derivados nas bombas dos postos da Costa Oeste não seguiam contemporaneamente as variações dos preços do Golfo do México ou da Costa Leste dos EUA, da mesma forma que os preços europeus apresentavam uma certa diferenciação dos movimentos de curto prazo, em relação à trajetória convergente nos movimentos de longo prazo.


Internacionalmente há uma certa diferenciação importante entre os níveis absolutos dos preços dos derivados de petróleo, com os países grandes produtores de petróleo e com exportações muito maiores do que os mercados domésticos mantendo os níveis dos preços de derivados mais baixos e com flutuações menores, enquanto os grandes importadores de derivados e de petróleo acompanham as movimentações de referenciais internacionais mais de perto.


Comparações internacionais

Entre os quinze países com a gasolina mais cara do mundo, somente a Noruega é um produtor significativo de petróleo, mas que adota uma política de tributação sobre os derivados para induzir sua substituição na matriz energética, em função dos desafios do aquecimento global.


Entre os quinze países com a gasolina mais barata do planeta, todos são grandes exportadores de petróleo e de gás natural e têm seus mercados domésticos pequenos, em relação ao volume de suas exportações[2].


Com isso os consumidores internacionais de petróleo cru ou de gás natural acabam fazendo um subsídio cruzado para manter os consumidores domésticos desses países com preços relativamente mais baixos para seus combustíveis fósseis.


Olhando para o futuro, há algumas tendências consolidadas que devem ser destacadas:


As novas capacidades de refino estão predominantemente situadas nos países produtores do Oriente Médio e na Ásia, especialmente na China e Índia.

Os novos parques de refino são muito mais integrados com a petroquímica, constituindo-se em complexos petroquímicos para a produção de produtos transformados, reduzindo proporcionalmente a produção de combustíveis para veículos de transporte.

Essas duas tendências agravam os problemas da precificação dos derivados de petróleo, que ainda estão em fase de expansão de seus modais de transporte intensivos em derivados de petróleo, que terão de ser abastecidos mais e mais por importações, mesmo enfrentando crescentes dificuldades de fretes de longa distância, tanto por redução da frota de embarcações, como dificuldades logísticas e de geopolítica para essas rotas.


Nesse contexto, no médio prazo, pós-pandemia, longe de um ciclo de baixa de preços se observa, ao contrário uma elevação desses preços, seja por ação direta dos acordos da OPEP com a Rússia para conter o crescimento da produção, seja por aumento dos custos de transportes dos produtos, seja por aumento dos custos de exploração e desenvolvimento em reservatórios cada vez mais difíceis de se descobrir e com conformações geológicas e geofísicas que exigem tecnologias mais complexas e mais caras. Preços tendem a subir.


A liquidez internacional e as buscas de rendimento para os especuladores financeiros encontram nos mercados futuros de petróleo e derivados um bom porto para seus investimentos, validando a tendência dos preços altos, mesmo que às custas de redução da parcela não combustível dos orçamentos familiares, especialmente da baixa renda.


Preços altos, refinarias relocalizadas nos países produtores, maior dependência das importações de longa distância e custos mais elevados exigem mais ação do governo com políticas próprias para enfrentar o problema.


Contexto brasileiro

O Brasil tem ido em direção contrária, diminuindo o papel da regulação estatal e esfacelando o sistema Petrobras, com a saída da distribuição (venda da BR), abertura das unidades de processo e logística para concorrentes e estímulos para a entrada de novos operadores na produção e venda de refinarias, diminuindo a possibilidade de intervenção mais efetiva no setor.


O Brasil tinha uma situação relativamente privilegiada, com uma produção de petróleo de tamanho equivalente a sua capacidade de refino e ao consumo doméstico.


Essas três variáveis se situam entre 2,1 e 2,5 milhões de barris por dia de equivalentes de petróleo.


Não é o caso dos países que mantêm os preços domésticos mais desconectados dos preços internacionais, com um volume de produção e exportação de petróleo cru muitas vezes maior do que o refino e consumo domésticos.


Além disso, nos últimos anos, o número de importadores de derivados aumentou significativamente no país, ao mesmo tempo em que a utilização da capacidade instalada nas refinarias da Petrobras caiu.


O Brasil ficou mais dependente da importação de derivados, ao mesmo tempo em que aumentou suas exportações de petróleo cru, tirando de qualquer plano estratégico os projetos de ampliação do parque de refino.


Enquanto o PIB mantiver o crescimento medíocre que vem apresentando nos últimos sete anos o problema não aparece. Teremos um apagão de derivados, se o Brasil voltar a crescer.


Nesse contexto, a política de preços dos derivados não pode se resumir a uma disputa entre os acionistas que querem retornos de curto prazo e os consumidores brasileiros.


É claro que essa disputa existe, mas não necessariamente todos os acionistas têm o mesmo objetivo, nem a distribuição da renda petroleira se resume a esses grupos de interesses. Entre os acionistas, mesmo os privados, há aqueles que têm uma visão de longo prazo de valorização de seu capital, com expansão de market share dos derivados, investimentos em projetos de alta rentabilidade e valorização de ativos no longo prazo.


Por outro lado, não é verdade que qualquer outra política que não seja o ajuste imediato dos preços domésticos aos preços internacionais signifique prejuízo dos acionistas.


O preço doméstico se situa entre o referencial do preço internacional e o custo de produção doméstico. A distribuição dessa parcela da renda petroleira é uma escolha da estratégia da empresa.


Maximizar os retornos dos acionistas do curto prazo pode significar uma deterioração do valor do capital investido no longo prazo, por perda da capacidade de crescimento, diminuição do seu papel no mercado e abertura para mais concorrência dos importadores e outros produtores.


No caso atual, o governo confunde o nível absoluto dos preços com a sua variação, atribuindo aos governadores, que recebem os impostos indiretos, como o ICMS, calculado sobre o preço das bombas como os principais vilões para o aumento dos preços de gasolina, diesel e gás de cozinha.


Os tributos indiretos são percentagens sobre o valor de venda e como tal sobem quando os preços sobem, mas, como proporção, não podem ser responsabilizados pelo próprio aumento.


As variações, que são muito rápidas pela política de preços da Petrobras, são as principais causas do aumento dos preços. Por outro lado, os impostos indiretos desempenham um papel redistributivo importante, sendo a principal fonte de recursos fiscais de muitos governos estaduais.


Por outro lado, não se pode tratar todos os derivados da mesma forma. A política de preços da gasolina, que atinge principalmente os veículos privados de transporte de passageiros, não pode ser igual à política de preços do diesel, que impacta os custos de transporte de mercadorias, os custos de operação de máquinas e equipamentos e os transportes coletivos de passageiros.


De forma distinta também deve ser a política de preços do GLP, o gás de cozinha, que por seu efeito gigantesco sobre a renda das famílias mais pobres tem levado a sua substituição por lenha e por outros combustíveis, perigosos e atrasados na eficiência energética.


A possibilidade de utilização de petróleo nacional nas refinarias, que tiveram investimentos em aumento de sua capacidade de conversão realizados no período do governo Lula/Dilma, cria mais um colchão para amortecer as flutuações de preços internacionais nos preços domésticos, sem chegar a dar prejuízo aos acionistas.


A utilização do petróleo doméstico, produzido em uma empresa integrada, é calculada utilizando-se os custos de produção, que no caso do pré-sal são muito mais baixos do que os preços internacionais de petróleo, ampliando as margens de refino.


O mesmo não ocorre numa empresa não integrada, nem com a utilização de petróleo importado, precificado a preços de mercado e não a custos de produção.


Maior utilização das refinarias, processando mais petróleo nacional, possibilita a suavização das variações de preços domésticos.


Dessa forma, não é a política de preços a principal vilã do repasse imediato dos preços internacionais para as contas do consumidor brasileiro. É a política geral para o setor, com o desmonte da Petrobras, sua subordinação aos interesses financeiros de curto prazo de alguns acionistas e sua saída da distribuição e da logística, com ampliação das importações de derivados as principais forças causadoras das variações dos preços brasileiros.


Os ataques da oposição têm se concentrado em destacar os erros da política de preços da Petrobras, quando a causa principal do problema encontra-se na política para o setor.


Com privatizações aceleradas, concentração nas exportações de petróleo cru, não expansão do refino e aumento das importações, os preços internacionais serão rapidamente repassados para o mercado doméstico e os acionistas financeiro de curto prazo agradecerão.


É preciso manter uma relação de longo prazo dos preços domésticos com os preços internacionais, mas não precisamos ser o país que ajusta mais rapidamente o mercado interno às variações internacionais, nem caminhar para um desmonte das políticas publicas de intervenção no setor. Mas a política geral do governo é essa: desmonte do estado e entrega à sanha do mercado de curto prazo. Até quando?


Referências Bibliográficas

GABRIELLI DE AZEVEDO, J. S. Há um preço internacional do petróleo? Financeirização e combustíveis. Observatório da Economia Contemporânea/Le Monde Diplomatique, 05/03/2021, 2021.


NOZAKI, W.; COUTINHO, I.; COSTA, R. D. (ed.). A Economia política dos hidrocarbonetos entre a pandemia e a transição energética 1ª ed. Brasilia: Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais/INEEP, 2021. 154 p., Epub.


[1] (GABRIELLI DE AZEVEDO, 2021) também publicado em (NOZAKI; COUTINHO; COSTA, 2021, p. 99-108.)


[2] (GABRIELLI DE AZEVEDO, 2021)


José Sergio Gabrielli de Azevedo é professor aposentado da UFBA, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep). Ex-presidente da Petrobras (2005-2012)

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