top of page

Cartel de usinas: Sucroenergéticas do Nordeste consideram “ordenar” oferta de etanol

Com a quebra na safra de cana-de-açúcar do Centro-Sul e a janela para importação de etanol fechada por conta do câmbio e da taxação de 20%, os produtores de etanol da região Nordeste estão se preparando para um período de baixa concorrência no mercado local. A questão é que a disputa de mercado pode ser ainda menor que a prevista.


No dia 13 de agosto, o Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool no Estado da Paraíba (Sindalcool-PB) promoveu um workshop sobre a comercialização de etanol na safra 2021/22 (clique aqui para assistir). Grandes nomes do setor sucroenergético do Norte e Nordeste do país estavam presentes no encontro, incluindo o presidente do conselho do Sindalcool-PB e diretor-presidente da Miriri Alimentos, Gilvan Cavalcanti de Morais Sobrinho.


Em sua fala, logo nos primeiros minutos de evento, ele sugere que os usineiros da região deveriam “posicionar o volume de comercialização” e completa: “O maior problema que nós teremos para ordenar economicamente vai estar entre nós mesmos [produtores do Norte-Nordeste]”.


Morais Sobrinho ainda menciona a necessidade de encontros mensais para estabelecer “com maturidade” um “ordenamento de oferta mínimo” e deixa clara a oportunidade de falar com especialistas no ramo da comercialização, que poderiam definir a questão do volume de safra.


“SEMPRE QUE A GENTE CONVERSA, A GENTE CONSEGUE MELHORAR NOSSO POSICIONAMENTO ECONOMICAMENTE. APELO A TODOS QUE FAÇAM ADESÃO A ESSA QUESTÃO; TER UM POUCO DE DISCIPLINA DE COMO OFERTAR BENEFICIARÁ AO MERCADO E A TODOS NÓS”, GILVAN MORAIS SOBRINHO (SINDALCOOL-PB)


Além disso, na finalização do evento, ele retoma o assunto. “Eu convocaria todos os colegas para esta ordenação de oferta e de produto. A concorrência vai ter um ganho econômico”, afirma e completa: “A gente tem que realmente se ordenar. Esta é uma safra que vai estar demandada por poucos produtos e tem tudo para ser bem utilizada economicamente pelas empresas”.


Neste momento, o executivo volta a sugerir que uma reunião para alinhar as propostas seja realizada no dia 20 de cada mês.


O NovaCana entrou em contato com a Miriri Alimentos, solicitando uma entrevista com Morais Sobrinho, mas não obteve retorno até o momento da publicação desta reportagem.


Contra a lei

A proposta, entretanto, pode ser considerada ilegal. Em entrevista ao NovaCana, o advogado Eduardo Luiz Kawakami, da Dasa Advogados, afirma que a prática de “ordenamento de oferta” de etanol sugerida no workshop não seria permitida de acordo com a Lei nº 9.478, de 1997, que trata sobre a política nacional de energia e as competências da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).


Entretanto, a própria ANP acredita que, em relação ao que foi tratado no workshop, não houve um crime propriamente dito. “Não vimos crime algum no video. Mas se vc acredita q exista algum, por favor formalize a denúncia (sic)”, afirmou a agência ao NovaCana por meio de sua assessoria de imprensa.


Segundo Kawakami, a mesma lei que origina a agência prevê, no que diz respeito a suas atribuições, a preservação do interesse nacional e a proteção dos interesses dos consumidores no que se refere a preço, qualidade e oferta de produtos, assim como promoção da livre concorrência.


Além disso, levando em conta a Lei nº 12.529, de 2011, que estrutura todo o sistema nacional de defesa da concorrência e ainda institui o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Kawakami afirma que “limitar ou prejudicar a livre concorrência seria uma infração”. Ou seja, qualquer forma de acordo de oferta, definição de preços ou condições é considerada uma violação.


Neste caso, pode ser considerada uma posição de dominância do mercado quando uma empresa ou um grupo altera unilateralmente as condições de negócio ou controla acima de 20% da concorrência. A lei ainda deixa claro que a porcentagem pode ser alterada pelo Cade para setores específicos da economia.


Também seria proibido apresentar acordos ou ajustar preços com concorrentes ou ainda promover uma conduta comercial acertada entre diferentes vendedores.


Kawakami reitera que, conforme prevê a lei, o ordenamento da oferta poderia ser caracterizado como infração. Independentemente de as usinas alcançarem ou não seu objetivo, elas podem ser denunciadas, passando por um processo administrativo e até mesmo judicial.


Formação de cartel

Uma vez comprovada a denúncia, Kawakami afirma que a prática discutida durante o workshop seria considerada um cartel, ou seja, um acordo de cooperação entre empresas para controlar o mercado, fixando preços e limitando a concorrência.


Por sua vez, um ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que preferiu não ser identificado afirma que o assunto discutido no workshop pode ser considerado um nível intermediário de formação de cartel, ainda que ele não o enquadre como um “cartel clássico”. Isso acontece, de acordo com ele, porque houve a troca de informações concorrenciais, ainda que não tenha sido combinado de modo explícito o preço ou a quantidade a ser ofertada.


Segundo ele, desta forma, seria construído “o efeito de um cartel” em termos de aumento de preço ou redução da oferta, sem precisar de uma combinação explícita.


“É UM CARTEL SE ELES JÁ ESTAVAM FAZENDO ISSO [REUNIÕES PARA COMBINAR OFERTA] OU SE ELES COMEÇARAM A FAZER. SE CHEGAR AO CADE, A CONDUTA DE PROVOCAR ESSA DISCUSSÃO, DE SUGERIR O CARTEL, PODE GERAR UM PROCESSO CONTRA ESSE SENHOR [MORAIS SOBRINHO]”, EX-PRESIDENTE DO CADE


O ex-presidente do Cade ainda aponta que o ordenamento da oferta, como debatido no workshop, só poderia ser feito – e, ainda assim, sua constitucionalidade seria discutível –, por meio de um órgão regulamentador estatal. Entretanto, ele afirma que já viu empresas serem punidas por este tipo de conduta.


Ele também observa que não existe qualquer contexto em que seja permitido que empresas concorrentes possam se organizar para tratar sobre oferta ou mesmo determinar preços. “Qualquer conversa sobre limitação de oferta ou tabelamento de preço só é possível por meio de discussão legislativa; deve ser expressamente permitido em lei”, afirma. Mesmo assim, o tema ainda seria debatível: “A Constituição Brasileira prevê a livre concorrência como valor da nossa ordem econômica”.


Segundo ele, somente seria possível que as usinas do Nordeste trabalhassem de forma conjunta com a formação de um consórcio, uma joint venture ou mesmo por meio de um acordo de cooperação. “Eles [produtores do Nordeste] teriam que ter um instrumento jurídico e este deve passar pelo Cade”, relata.


O contexto das usinas do Nordeste

Embora a ordenação de oferta e as reuniões mensais tenham sido mencionadas durante evento conduzido pelo presidente executivo do Sindalcool-PB, Edmundo Barbosa, ele afirmou ao NovaCana que não tem conhecimento de nenhum plano relacionado a uma combinação de oferta no mercado de etanol.


“Eu não tenho acompanhado e não conheço nenhum plano desta natureza. Conheço apenas o que eu vi naquele encontro, em que as reflexões realmente foram na direção de que o produtor não se atrapalhasse”, declara.


O executivo reitera que a possibilidade de formação de cartel entre as usinas é nula e “simplesmente não existe”. De acordo com ele, atualmente, o sistema de governança das companhias as obriga a prestar contas aos seus acionistas, impedindo este tipo de ação.


“ISSO [ORDENAÇÃO DE OFERTA] NÃO FOI UMA CONCLUSÃO UNÂNIME, NEM ENTRE OS PARTICIPANTES. PODE TER SIDO UM PONTO DE VISTA DE ALGUMA EMPRESA, MAS NÃO É O MEU. O MEU É O SEGUINTE: AMPLIAR A CONTRATAÇÃO [DE ETANOL] E MELHORAR OS INDICADORES”, EDMUNDO BARBOSA (SINDALCOOL-PB)


Já em relação aos pedidos para disciplina de oferta vistos no encontro, Barbosa disse que eles eram relacionados à produção de anidro, sendo motivados pela demanda trazida pela mistura obrigatória do biocombustível à gasolina. Ele completa que a oferta reduzida, na verdade, é um problema recorrente da região e que ganha ainda mais destaque neste ano por conta dos índices de precipitação pluviométrica abaixo da média histórica.


“Foi feito realmente um apelo para a produção de anidro, em função da previsão de demanda que já se tinha desde o começo do ano”, alega. Ao mesmo tempo, ele nega que exista risco de desabastecimento: “Em todas as discussões que a gente tem mantido entre distribuidoras e produtores, a perspectiva de desabastecimento não existe. Não há essa possibilidade”.


Barbosa ainda afirma que, durante o workshop, a situação foi comentada para incentivar os produtores a aumentar a produção de etanol anidro, mesmo sacrificando a produção de açúcar. Assim, de acordo com ele, seria possível “ampliar as parcerias no mercado em relação a distribuidoras, ou seja, construir cada vez mais sinergia e confiabilidade”.


Além disso, considerando o contexto atual da quebra de safra da região Centro-Sul e também do desincentivo à importação, Barbosa observa que os produtores do Norte-Nordeste terão que “conviver com o próprio produto”. Ele completa dizendo que este é um bom momento para trazer melhores condições para o mercado da região, assim como aproveitar os estoques das usinas.


O presidente executivo do sindicato também alega que as usinas da região Nordeste têm apostado em melhorias em todos os âmbitos da produção, especialmente em relação às práticas ambientais, sociais e de governança (ESG na sigla em inglês). Com isso, as companhias ainda estariam buscando formas de melhorar a nota de eficiência energético-ambiental no programa RenovaBio: “É isso o que temos feito. Aperfeiçoado, ampliado, procurado negociar para que todos ganhem, usinas e fornecedores”.


Estratégia de estocagem

Antes de iniciar sua fala sobre os estoques de etanol da região, o diretor da ADN Bioenergy, Paulo Henrique Duarte, afirmou que a atual safra é a realização de “um sonho de todos os tempos para a região”. Segundo ele, com as importações enfraquecidas e uma oferta menor de biocombustível vinda do Centro-Sul, “o Nordeste vai competir apenas com ele mesmo”.


Durante o evento, Duarte discutiu estratégias para liquidez e analisou a estocagem de etanol por parte dos usineiros do Nordeste. De acordo com o executivo, em setembro do ano passado, a região contabilizava 58 milhões de litros nos três principais estados produtores, volume que chegou a 89 milhões de litros em outubro. Com estes dados, ele declara que as vendas de Pernambuco, Alagoas e Paraíba suprem a demanda.


A partir disso, Duarte afirma que haverá “sobra” de hidratado no meio da safra e, segundo ele, as usinas precisam tentar esticar o prazo de venda para melhorar a comercialização, pois não seria necessário vender apenas ao longo da safra. Ele argumenta que o preço do biocombustível está alto no Nordeste e a tendência é de aumento nas vendas à medida que a população estiver mais vacinada contra a covid-19.


Entretanto, ele aponta que, caso todos comecem a vender ao mesmo tempo, haverá pouca liquidez. “O preço está bom e sei que as pessoas precisam de dinheiro, mas tem entrega de açúcar e o açúcar está remunerando muito bem”, afirma e completa: “Não se esqueçam que precisamos de liquidez para o anidro e, para garanti-la, façam contratos. Isso pode facilitar a vida de todo mundo”.


Por fim, o diretor também considera que, com a transferência do hidratado do Centro-Sul, a demanda por combustíveis pode demorar e, por isso, seria importante que os produtores nordestinos se preparassem. “Mais uma vez, não deixem dinheiro na mesa. (…) É um ano literalmente mágico, vamos fazer uma boa safra para o Nordeste. Não vai ter ninguém do Centro-Sul atrapalhando e não vai ter gente importando tão cedo”, completa.


Mais anidro, bons preços e custos altos

Durante o evento do Sindalcool-PB, o diretor da usina Monte Alegre, Eduardo Oliveira, corrobora com a visão de que a nova safra “se mostra, do ponto de vista comercial, positiva”. Oliveira também aponta que, apesar dos preços estarem em patamares mais elevados, os custos também se encontram pressionados.


No decorrer do workshop, os palestrantes falaram sobre o incentivo de mercado para a produção de etanol anidro no Nordeste, uma vez que a demanda pelo biocombustível está aumentando. Entre eles, está o superintendente do Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), Marcelo Guerra, que afirma que a produção do Nordeste deve ser mais voltada para o anidro, que terá mais liquidez do que o etanol hidratado.


O representante da consultoria Datagro, Bruno Freitas, concorda e diz que haverá uma inversão entre os dois tipos de etanol, da mesma forma como já está acontecendo na região Centro-Sul.


Por sua vez, o diretor comercial da usina Central Olho D’Água, Alcemilton Maciel, complementa: “Esta safra, acredito eu, será equilibrada em termos de preço; e depende muito da gente. Se soubermos trabalhar bem o mercado, vamos ter um fechamento de safra, em relação a preço, com rentabilidade”.


Já o presidente do Sindaçúcar-AL, Pedro Robério Nogueira, aponta que esta será uma melhor safra quando comparada às anteriores para a região. “Estamos diante de um cenário de comercialização com os dois produtos [açúcar e etanol] demandados e com ofertas não elásticas. Será uma safra de preços melhores”, afirma.


“ESTAMOS EM UM MOMENTO DE CURVA ASCENDENTE DE CUSTOS. ESTAMOS COM UMA INFLAÇÃO QUE NÃO VÍAMOS HÁ ALGUM TEMPO E ELA VAI REFLETIR NOS ACORDOS SALARIAIS E NOS PREÇOS DOS INSUMOS”, PEDRO ROBÉRIO NOGUEIRA (SINDAÇÚCAR-AL)


Por conta disso, Nogueira afirma que os produtores, no que diz respeito à dinâmica das destinações de mercado, precisarão operar no limite máximo das plantas com a produção de anidro, especialmente devido à quebra de safra prevista para o Centro-Sul e à guinada de produção de açúcar, que está rendendo mais às usinas da região.


“Neste momento, eu acho que cabe toda a atenção para o que o anidro significa no setor; a mistura de etanol na gasolina é uma ancoragem muito importante, uma cláusula pétrea”, declara.

0 comentário
bottom of page